Rua da Aurora.

Gostei do Recife, mas ainda prefiro aquela outra capital pernambucana, tão lindamente descrita nos poemas de Manuel Bandeira. A Rua da Aurora não é mais o cenário bucólico onde se ia pescar nas linhas de “Evocação do Recife“. Longe disso. O segurança do Palácio das Princesas foi quem alertou: “Se vai à Rua da Aurora, tenha cuidado com a máquina fotográfica”. Triste. O medo das ruas onde antes se podia brincar, pescar, namorar debruçado sobre portões ou janelas. As mesmas ruas onde futuros poetas, ainda crianças, sorviam o sumo que, mais tarde, se transformaria em arte.

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Oficina Brennand.

Mas a poesia ainda resiste na obra de gênios, como a do artista plástico Francisco Brennand – que se configurou como a maior descoberta desta viagem. É de Brennand uma Oficina gigantesca, misto de casa, museu e ateliê que o artista mantém a cerca de trinta quilômetros do centro. Mas sendo mago do barro, da argila, da cerâmica e dos pincéis, Brennand me captou mesmo foi pelos quadros de suas lindas meninas-mulheres: todas elas habitantes de becos ou de contos de fadas. Pena não poder fotografá-las.

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Foi também no Recife que deparei com um pôr-do-sol lindíssimo, pintura inflamável prestes a explodir num gozo amarelo e febril. E em meio a ela, um jovem negro, magro e alto empunhava, soberano, sua singela vara de pescaria, completamente alheio ao quadro que surgia, magnífico, de suas mãos hábeis. As mesmas que, por sua vez, me fizeram pescar esse sonho.

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O colorido fridakhaliano da Rua Bom Jesus

Perto dali, vi poesia nas cores dos edifícios e sobrados da Rua Bom Jesus, antiga Rua dos Judeus, onde está localizada a mais antiga sinagoga das américas. Um lugar que transpira história pelas suas paredes de tijolos antigos, poros de uma civilização palpável em sua mistura de massa, cal, suor e conhecimento vindos de povos holandeses, lusitanos e africanos. Para tocá-la, basta que o viajante feche os olhos, num exercício necessário e benéfico de desapego do presente.

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Feliz por estar enredada à trama da sensibilidade pétrea e, ao mesmo tempo, fluida de João Cabral de Melo Neto.

É o que faço quando sigo rumo às cidades atemporais: deixo-me levar por séculos, enlaçada à aura de fantasmas boêmios: poetas, escritores, jornalistas, pintores, escultores, comerciantes e advogados que, não raro, lutaram pela liberdade em tempos idos. Espíritos livres cuja energia ainda flui pelos lugares onde viveram, amaram, morreram. Foi assim em Ouro Preto, Mariana, Recife e Olinda.

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As casas arco-íris de Olinda.

Olinda, por sinal, é uma cidade eternizada cujo adjetivo mais propício para descrevê-la está em seu próprio nome: linda rainha multicor, especialista em folias carnavalescas. Em Olinda tudo tem a cor da alegria, assim como Flávio, o melhor guia encarnado que já conheci por minhas andanças. Flávio é o retrato de um Brasil que se reinventa, posto que não lhe dão oportunidades herdadas desde o berço. E contrariando previsões pessimistas, Flávio tornou-se mestre das histórias e da História, com “H” maiúsculo, de Olinda. Professor-doutor na arte de encantar, percorreu toda a cidade conosco, explicando pedra sobre pedra, tinta sobre tinta daquele universo tombado pela materialização arquitetônica do Arco-Íris.

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Flávio sob o vestido da boneca “Menina de Pernambuco”.

E Flávio citou datas, acontecimentos, personalidades. E demonstrou como se dança carregando os tradicionais bonecos gigantes no Carnaval de Olinda – ele mesmo exímio bailarino a segurar o peso de toda uma cultura sobre os ombros. E em meio a tudo isso, Flávio não tirou o sorriso do rosto. Nem nós, que tivemos a sorte de tê-lo ao nosso lado.

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Bailarina nas ruas de Olinda

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Vista da Praia de Boa Viagem.

Já a praia de Boa Viagem ficará em minha memória como uma bela fotografia: enquadramento mítico para ser apreciado apenas por sua estética, porque inacessível em sua realidade agressiva: cheia de pedras, algas e placas de “Cuidado com os tubarões”. Definitivamente desaconselhada para crianças e covardes de marca maior – grupo no qual eu definitivamente me incluo. Também estivemos em Porto de Galinhas, mas por falta de tempo, este post terá de ficar pra depois. No mais, peço licença à elegante Constanza Pascolato, autora de uma frase que considero um deleite, tamanha a dose de verdade que encerra: “Gosto de viajar porque depois posso voltar pra casa”.

É isso. Todos aqui de casa já estavam com saudades do nosso cantinho. Até a próxima!