O mar viril.
A praia sedutora.
O vai-e-vem obsceno e contínuo das ondas…
O ritmo frenético da arrebentação…
O desejo eterno e voluptuoso de Netuno em cobrir a areia
esparramando-se sobre ela com fúria e deleite.
A mesma areia passiva, suave e submissa.
Toda uma existência à espera do sal de seu amado…
Toda uma existência na ânsia pelo jorro,
pela explosão,
pela espuma branca que evidencia o clímax.
Ah, pobre areia…
Tem de dividir seu rei soberano e insaciável,
pois a natureza é vasta, bela e extremamente feminina…
O desejo inesgotável de Netuno vai além…
E penetra dia e noite as fendas fundas das falésias
ao mesmo tempo em que consome as rochas num abraço incessante e possessivo…
O cio de Netuno é visceral e apaixonado
Dele deriva o maremoto a fim de engolir a terra num beijo molhado e mortal…
E eu, num voyeurismo excessivo, cada vez mais desejosa,
estou, Netuno, em chamas…
Minha agonia brilha altiva sobre a Terra e sobre todos os seus homens
Mas eu, Netuno, só tenho olhos para ti…
Minha loucura é tamanha que invento disfarces…
O tempo todo me modifico, altero ciclos e subverto a ordem das coisas
Apenas para chamar tua atenção…
Há tempos ando perdida…
Já não domino as correntezas que te afastam de mim
E já que não posso estar grávida de ti,
pouco me importa a fertilidade alheia…
Não tenho mais ânimo para nada
e, no meu ofício, já não exerço mais tanta influência como antes…
Poucos ainda se guiam por mim…
Mas há, ainda, os marinheiros que – ao longe – suspiram por minha beleza…
Há, ainda, os amantes saudosos que lançam olhares amorosos em minha direção…
Mas é tarde…
Já naufrago por ti em sonhos e jamais pertencerei a eles.
Não vejo a hora de submergir,
sendo engolida até chegar às tuas profundezas mais escuras e densas…
Ah, Netuno…
Eu queria ser o céu para passar os dias sobre ti
numa contemplação apaixonada, azul e absorta…
E quando chegasse a noite, eu, então, me lançaria sobre ti
numa entrega plena de certezas…
Nesse momento mágico de felicidade infinita, teríamos por testemunhas desse enlace apenas as estrelas…
Ah, por que o sol não explode de vez?
Por que não há um novo reinício dos tempos?
Teríamos chance de nos unir, finalmente?
Teríamos um ao outro ao menos por instantes?
Ah, amado senhor no qual me espelho, mas jamais alcanço…
Há, de certo, alguma maldição que nos aparta desde o princípio das eras…
Caríssimo Netuno…
Queria eu dispor de poderes
para comandar uma nova explosão galáctica que me lançaria sobre tuas vagas…
Mas, como não tenho forças para tanto, receba, meu rei, a minha sombra envolvente
e o meu olhar lânguido sobre ti

Com amor e Sempre tua,

A Lua

Goimar Dantas
São Paulo, 02 de novembro de 2002.
21h19min