Mal abri os olhos,
me dei conta:
O amor havia acabado.
Não adiantava negar.
Na noite anterior,
não chorei seu atraso,
não tremi ao seu toque,
não declamei-lhe versos,
não retoquei meu batom.
Mais: enquanto ele falava,
não viajei em seus olhos…
Ao contrário,
fiquei atenta a tudo o que dizia.
Pior: achei o assunto maçante.
O problema era nítido:
em vez da cegueira típica da paixão,
eu já estava era com córneas novas
doadas por alguma entidade,
espírito ou estraga prazeres
(desses bem racionais, diga-se).
Como resultado, enxerguei os defeitos de quem,
antes, era o símbolo máximo da perfeição.
Voltei pra casa confusa, atordoada.
Aquele sentimento não podia acabar assim!
Afinal, paixões rendem versos, prosas, romances, novelas, filmes…
Se for platônica, então,
pode resultar até em Nobel de Literatura…
Entrei em desespero.
Estaria minha veia poética condenada?!
Estaria minha artéria de textos entupida para sempre?
Não! Eu não permitiria!
Mal o sol se deitou,
me arrumei lindamente:
vestido preto,
salto alto,
boca vermelha,
más intenções…
Saí altiva,
montada,
à caça de outra paixão.
Mas no fundo,
bem no fundo…
A poeta que mora em mim
suplicava, baixinho:
-Deus… Fazei com que seja platônica e proibida…
Amém…

Goimar Dantas
Santa Rita do Sapucaí
13/10/07