Esta semana assisti Chega de saudade (2008), um filme maravilhoso da Laís Bondanzky, diretora do premiado Bicho de sete cabeças (2000). Sempre achei Laís uma mulher incrível, cujos projetos ultrapassam a fronteira das películas cinematográficas para repercutir, também, sobre o território social. É assim com o projeto Cine Tela Brasil, que desenvolve junto com o marido, o roteirista Luiz Bolognesi. Juntos, eles percorrem, desde 2005, cidades do interior de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, levando cinema às comunidades carentes. Ao chegar às pequenas cidades com um caminhão, contendo uma tenda de 13m x 15m, 225 cadeiras, tela, ar condicionado, som e equipamento profissional, os dois apresentam longas-metragens nacionais e abrem espaço para discussões e debates. Não à toa, Laís foi uma das personagens escolhidas para o livro Mulheres que fazem São Paulo (Editora Celebris, 2004), que escrevi em parceria com a jornalista Viviane Pereira.

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A diretora Laís Bodanzky e o o roteirista Luiz Bolognesi

Apesar de ser fã de carteirinha de Laís, não consegui assistir Chega de saudade no cinema e tive de esperar pelo lançamento em DVD. A espera valeu à pena! O filme é lindo! A sensibilidade de Laís (na direção) e de Luiz Bolognesi (que assinou o roteiro) possibilitou a criação de um filme, ao mesmo tempo, denso e delicado, abordando o universo dos chamados bailes de dança de salão, também conhecidos como bailes da saudade, geralmente voltados ao público da terceira idade. Laís e Luiz lançaram luzes sobre temas universais como amor, ciúme, infidelidade, sexo, carência, desejo e rejeição, mas com o diferencial de o fazerem sob a ótica de personagens geralmente descartados pelo cinema, pelos livros, novelas etc… Afinal, para a maioria das produções, quem tem mais de 60 anos é literalmente jogado às traças. Nesse contexto, diretora e roteirista foram ousados e inovadores.

O mais incrível é que tudo é exposto de forma não-linear, dispensando até mesmo a figura típica do protagonista. Imagino que deve ter sido dificílimo filmar uma história, por assim dizer, circular, sem núcleo, ao som constante de música e tendo como pano de fundo temporal as poucas horas de duração de um único baile. É pura magia ver o modo como as histórias vão surgindo, se entrelaçando e permitindo que cada um dos personagens conquiste o público de maneira arrebatadora. E o mais curioso é que isso aconteça sem que saibamos, ao certo, quem são essas pessoas. Afinal, grande parte das personagens não tem história pregressa, profissão, sobrenome. Em meio a isso, a câmera transita faceira por todas as direções, ora enfocando os dramas de um casal, ora evidenciando as alegrias e seduções de outro. Uma loucura…

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Os casais Paulinho Vilhena e Maria Flor e Tônia Carrero e Leonardo Villar

Leonardo Villar (o inesquecível protagonista de O pagador de promessas, primeiro filme brasileiro a vencer o Festival de Cannes, dirigido por Anselmo Duarte) está surpreendente ao lado de Tônia Carrero. Stepan Nercessian, por sua vez, também está M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O como o galanteador Eudes, cujo objetivo maior em todo o filme é conquistar a jovem Maria Flor. É lindo ver como a personagem dela (Bel), uma garota de 20 anos que vai parar ali por acaso acompanhando o namorado (o técnico de som interpretado por um competente Paulinho Vilhena), se deixa levar pela lábia do cinquentão Eudes (Stepan). Incrível como o filme consegue transmitir o clima de sedução crescente entre esses dois personagens, à primeira vista, tão díspares… E ainda tem Cássia Kiss (como Marici), Betty Faria (como Elza) e Clarice Abujamra (dando vida à Rita)… Impagáveis também.

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Maria Flor(Bel), cortejada, no filme, por Stepan Nercessian (Eudes)

E o que dizer da trilha sonora caprichadíssima??? Só pra ter uma ideia, a vocalista da banda que anima o baile é ninguém menos do que a cantora Elza Soares, em ótima performance. Já a direção de fotografia, assinada pelo genial Walter Carvalho, optou pelo estilo realista, beneficiando a atuação em detrimento da estética dos atores. Confesso que senti certa estranheza no começo, tamanha a revelação dos suores, rugas e maquiagens meio borradas, exageradas… Mas, depois de uns minutos, a gente percebe que era mesmo essa a intenção. Um baile real, com pessoas reais. Até porque à exceção dos atores centrais, os demais dançarinos eram todos frequentadores legítimos de bailes de dança de salão, selecionados em salões espalhados por toda São Paulo.

Se ainda não viu, fica a sugestão (veemente) desta potiguar que vos escreve.

Abaixo, o delicioso trailer do filme pra vocês.